sábado, 5 de março de 2016

DIÁRIO DA DENGUE



@ Márcio Metzker                              

Escapei durante duas décadas, mas finalmente chegou a minha vez de pegar dengue, e gostaria de deixar aqui o meu protesto por pegar doença tropical de país subdesenvolvido, com esses nomes ridículos, como dengue, chicungunha e zica. Sou civilizado o suficiente para ter Hodgkins, Parkinson ou Azheimer. 

Começou segunda-feira com um choque hipoglicêmico, e quando acordei já estava com um febrão de sapecar os lençóis. Desde menino que não tinha febre de 39,5 graus, e a sensação é de perda da realidade. A gente vive num pesadelo em que tudo nos faz mal, até uma perfídia de vilão de filme. A cabeça está pesada, turbulências esguicham no estômago causando náuseas. O apetite vai embora. Os vômitos vêm até com o amado cheiro de postas de salmão grelhando na cozinha.
Minha mulher, do alto de sua experiência com duas dengues devastadoras, apartou as aspirinas e botou o paracetamol e a dipirona no criado-mudo. Depois leu no Dráuzio que era preciso suspender os antiinflamatórios diários, para correr o risco de hemorragia. Começou a me afogar com cinco litros de água por dia, até chegar ao ponto em que a própria água me dá enjoo. Achei divertida a recomendação de fazer repouso, como se fosse humanamente possível fazer outra coisa a não ser desabar na cama, levantando de hora em hora para fazer pipi. É tão penosa essa incursão ao banheiro que cheguei a pensar em conectar o distinto a uma mangueira e prendê-la no vaso. É só esquecer de tomar a água que os rins gritam.

Liguei para o consultório da minha médica para ver se haveria mudança de rotina nos outros 14 medicamentos que eu tomo, mas graças a Deus ela só pode atender dia 10, porque não tenho a menor possibilidade de sair de casa. Graças a Deus também meu pagamento só sai segunda, e não vou ter que me arriscar a fazer meu serviço de banco nesta sexta-feira.

Ontem foi o terceiro dia. A febre começou a baixar e já não tenho tantos delírios, mas à noite comecei a sentir falta de força nas mãos. Não consegui abrir vidros de remédio, nem pegar água na concha da mão para escovar os dentes. Entrei em pânico, porque sem habilidades manuais fico totalmente inválido. Nesta manhã de sexta, acordei com o circo armado na frente da casa do Lula para "conduzi-lo coercitivamente" a um depoimento. Achei que era mais um dos meus delírios de dengue, mas depois vi que era sífilis cerebral no Judiciário.


Finalmente, sentei diante do computador para redigir isto pra vocês. Quem me conhece sabe que sou muito rápido num teclado, mas levei quase uma hora pra escrever essa mixaria, voltando centenas de vezes para consertar.

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